TERRAS DE PENAGOYÃ:

Apesar de nos tempos de hoje não ser uma realidade correspondente ao que era no passado, defendo a sua promoção e estudo. Porque a nossa história deve ser estudada, preservada e publicitada.
SE NÃO DEFENDERMOS O QUE É NOSSO, QUEM É QUE O DEFENDE?
"

Por Monteiro de Queiroz, 2018

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GUARDA GNR POLÍCIA PSP


OS POLÍCIAS NÃO SÃO BONS

Eu sou polícia e como polícia digo: os polícias não são bons.

São pessoas que, não satisfeitas com os seus próprios problemas, se inteiram dos problemas dos outros, estejam ou não de serviço, estejam ou não fardados. Pior, inteiram-se de tal maneira destes problemas das pessoas que não se limitam a ter o simples conhecimento das coisas, tentando afincadamente resolver vidas, apesar de terem a fama de só quererem passar multas. Muitas esposas e maridos destes polícias às vezes chateiam-se: fartam-se que estejam sempre a atender chamadas em casa, deste e daquele que precisa de um conselho rápido, tiveram um acidente, um filho desapareceu de casa e temem o pior. Polícias intrometidos, nem a tomar conta dos filhos desligam os telemóveis para se dedicarem inteiramente à família. Insensíveis, parecem que gostam mais dos outros que dos seus, gente sem noção.

Estes polícias, nunca desligam, mesmo. Podem estar num belo passeio de carro com os filhos que têm sempre a curiosidade de olhar em volta só para se assegurar que está tudo em ordem, devem ter a mania. Já chegaram a deixar os filhos presos às cadeirinhas no banco de trás para deitarem a correr atrás de umas pessoas estranhas que em vez de estarem a sair pelas portas das casas, desciam pelos muros. Polícias do caraças, apanharam-nos e descobriu-se que eram ladrões, que sorte ir a polícia a passar. Que sorte que era um polícia casado com uma mulher polícia, sorte mesmo. Constou-se que os filhos ficaram a chorar, no meio daquela confusão toda, mas pronto, são crianças. E as crianças choram.

Polícias há também que fazem compras nos supermercados como as pessoas normais. Só que os polícias não têm o dom de passar despercebidos e usufruírem do estatuto de perfeitos desconhecidos. Mas a culpa é deles, escolheram um trabalho que os obriga a deter pessoas que não gostam de ser detidas apesar de terem cometido crimes graves, vão apreender armas ilegais que estão dentro de casas de pessoas de bem e que não mereciam ser incomodadas (‘pois só chegaram a ameaçar, não mataram ninguém’) e tantas, tantas outras coisas. Às vezes vão pelos corredores do supermercado e sentem os olhares ameaçadores dessas pessoas que, sendo de bem, parecem direcionar para estes polícias toda a sua raiva e ódio da justiça ter sido reposta. O polícia tenta não ver, nem comenta com a mulher e muito menos com os filhos mas o dia já está estragado. Culpa dele: não quis ser agente de autoridade? Então que lide com a autoridade e com os autoritários.

E polícia que é polícia não consegue voltar para a casa sossegado. Se ouve um alarme de um carro, aguarda por perto até que o condutor chegue. Cheira-lhe a haxixe e fica logo preocupado. Passa os olhos pelo grupo a ver se haverá ali miúdos que não se saibam defender quando a coisa descambar porque lhe vem à memória histórias de meninas que foram abandonadas por esses amigos, semi-nuas e completamente desorientadas, coitadas. Podia ser um filho, uma filha sua. Mania que os polícias têm de fazer associações entre tudo e coisa nenhuma, de se valer da experiência de longos anos de desgraças que viram acontecer e que não querem que aconteçam aos outros. Mania de desenterrar fantasmas, de coisas que os matam por dentro. Ainda se lembram que tinham 20 anos e que o seu primeiro serviço foi uma morte violenta, depois vieram enforcados, feridos graves e mortos em acidentes, abandonados em decomposição, vítimas de violência doméstica desfiguradas. Mas deve ser mentira e mania de vitimização: os polícias só passam multas.

Tem alturas que os polícias se armam em pessoas em condições. Vão às reuniões na escola dos filhos, levam-nos aos jogos de futebol, não faltam às reuniões de condomínio e até querem fazer parte de grupos que se divertem às quartas-feiras ou sextas num hobbie qualquer: se falam, têm a mania que são polícias; se não falam, deviam falar, são pais; se dizem nas bancadas para terem calma pois insultar os treinadores é coisa feia, que se calem que ali não são polícias, são como os outros; e se nada fazem para impedir aquela lamentável exibição de violência à frente dos miúdos, alguns presentes são da opinião que, como são polícias, deviam dizer ali alguma coisa; entre os vizinhos, têm que ser os últimos a falar senão influenciam os outros; e essa ideia de querer fazer parte de um grupinho divertido, esquece, não tarda os colegas descobrem que é polícia, um amigo de um amigo de um grande amigo contou-lhe isto e aquilo e os polícias não estiveram nada bem e a partir dali o polícia já sabe: veio para esquecer o serviço mas tornou-se o tema das piadas. Abandona, arranca e não faças pó, ó, ó… polícia.

Não são bons, não. São estranhos, não têm nojo. Ainda me lembro que no tempo do Covid-19 iam na mesma ajudar as pessoas. Sempre naquela certeza que a vida dos outros se sobreponha àquelas circunstâncias e nunca deixaram de trabalhar quando quase todos se resguardaram nas suas casas com as suas famílias. Alguns polícias ainda se lembram bem como lhes custou deixar os próprios filhos num sítio que abriu para lá se depositar os filhos dos «profissionais de funções essenciais». Paciência. Mania que são essenciais, temos pena. De certeza que os filhos dos polícias até se divertiram mais, já estão habituados a ser deixados à pressa na casa de um familiar porque o papá ou mamã polícia foram chamados para o trabalho. Aliás, impossível: ninguém é obrigado a estar sempre disponível para o serviço. E era…
E também não têm nojo de parar o carro para arrumar o cadáver de um cão ou de um gato, se lhes perguntarem porquê de certo respondem que é para não haver um acidente mais grave mas sejamos sinceros: foi por isso mas também por pena, coitado do bicho ali a ser despedaçado por carro atrás de carro e se chega o pequenito que o adorava e o vê naquele estado? Coitadinho do menino. Ainda bem que o polícia não tem nojo destas coisas.

Mas não são bons, decididamente: nenhuma pessoa no seu perfeito juízo conseguia suportar tantos sacrifícios com tão boa cara. Não são bons. Ninguém conseguia carregar uma cruz num dia e, no outro a seguir, regressar ao trabalho com vontade de ser mais e melhor, durante 10, 20, 30 anos...até ao fim. 
Não me admirava que se um dia finalmente fizessem um pedido de ajuda - por justiça - se juntariam aos milhares, como irmãos. Mas seria realmente admirável: milhares de polícias e nem um único caso menos digno a relatar. Daqueles polícias de alma e coração. Aos milhares. E logo os polícias, que nem têm coração...

E é por isso que vos digo: os polícias não são bons. SÃO MAIS QUE BONS.

(Obrigada companheiros)

Via Helena Ribeiro (Autora?) aqui
[2024.02.07]