TERRAS DE PENAGOYÃ:

Apesar de nos tempos de hoje não ser uma realidade correspondente ao que era no passado, defendo a sua promoção e estudo. Porque a nossa história deve ser estudada, preservada e publicitada.
SE NÃO DEFENDERMOS O QUE É NOSSO, QUEM É QUE O DEFENDE?
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Por Monteiro de Queiroz, 2018

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O Alto Douro é um cantão excepcional


“Talvez que em toda a Península e em toda a Europa, in illo tempore, não houvesse um paiz tão rico, tão cheio de prata e ouro, joias, estofos, louça e mobilia do Japão e da India, como era o Douro. — Graças ao marquez de Pombal, a quem o Douro ha muito tempo devia — por gratidão — ter levantado um monumento — uma estatua, na formosa villa da Regoa,— villa que é o centro e coração do Douro, e não existia antes do marquez de Pombal em 1756 fundar a poderosa Companhia da Agricultura e Vinhos do Alto Douro.

A mencionada Companhia foi muito privilegiada, mas transformou em luxuosos vinhedos, que produzem o vinho mais generoso de Portugal e do mundo inteiro, — as ingremes, alcantiladas, pedragosas e ardentíssimas encostas da dita região, até alli sem valor, pois, como já dissemos no 1.° volume d'esta obra, as ditas encostas anteriormente estavam incultas na sua maior parte e só produziam sumagre?!...

O Alto Douro é um cantão excepcional, que demanda legislação igualmente excepcional. — Assim o comprehendeu o primeiro ministro que Portugal tem tido até hoje — o grande marquez de Pomhal.

Uma poderosa Companhia não só enriqueceu o Douro — mas Portugal todo?!   

A um meu ascendente disse n'aquelle tempo certo negociante de Lisboa : — «Nós mesmo aqui, nas transacções commerciaes, notamos a decadência ou a prosperidade do Douro». — E mais — muito mais!... — devia e deve notar-se no Porto por ser o empório dos vinhos do Douro — e porque os negociantes, proprietários e lavradores (?) do Douro se forneciam e fornecem quasi exclusivamente do Porto - e no Porto consumiam e consomem a maior parte das suas rendas.

É um disparate, uma loucura e falta de criterio dos nossos governantes o equipararem o Douro ás nossas regiões vinicolas do centro e sul do nosso paiz.

O Douro, como todos sabem, — é muito escabroso, muito ardente, muito alcantilado e muito pedragoso, mórmente a parte que produz o vinho mais generoso, — a que ouve ranger a espadela dos barcos rabellos ou que está mais proxima do rio e é a mais ardente. — O seu clima no verão sustenta o confronto com a zona tórrida, pois, como já dissemos, no rigor da estiagem tremera alli com sezões os gatos, as gallinhas e os cães, — derrete-se a solda das vazilhas de lata e destemperam-se os machados, os cutellos, as podôas e outros instrumentos de ferro que fiquem expostos á tisneira.

As proprias pedras tornam-se candentes; — estalam com o calor — e durante a construcção da linha ferrea do Douro, os jornaleiros assavam as sardinhas nos rails, ainda em montão e expostos á tisneira. — Isto é facto que em Pinhão presenciou um meu criado, filho de Lamego, homem sério, digno de todo o credito.

O clima é tão ardente que por vezes as próprias perdizes voando, sendo aves tão valentes, cahem a terra, suffocadas com o calor?!...

Parece incrível, mas é facto que eu posso affirmar e jurar, pois certo dia, no rigor do verão, sendo eu abbade de Tavora, no alto Douro e, seguindo a cavallo para o meu casarão da Corvaceira, no baixo Douro, e passava a jusante da quinta de Valmôr 1 pela margem esquerda do rio, atravez d'um areal candente, porque ao tempo ainda não estava feita a estrada marginal a macadam, — vi com surpreza uma perdiz voando atabalhoadamente da direita do Douro pra a esquerda e cahir no areal junto de mim, ficando inerte, como fulminada!”

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“1 Este nome é de phantasia e moderno. O seu velho nome era quinta da Penha, mas, quando a comprou José Izidoro Guedes, unindo-a a outra que herdára do seu primeiro sogro, deu-lhe o nome de Valmôr e d'ella tomou o titulo de Visconde de Valmôr.

A quinta é uma das maiores do alto Douro e tem boa casa d'habitação e bons armazens que fôram feitos sobre uma grande penha, pelo que se denominou quinta da Penha. O nome era bem apropriado, — não o de Valmôr, pois quer dizer valle-mór, valle maior ou muito grande, — valle que não se lobriga em tal quinta.

Ella pertence á freguezia da Folgosa e á de Villa Secca d’Armamar, pelo que lhe dediquei um largo tópico no Portugal antigo e moderno, vol. XI, pag. 1:063, col. 2.ª e seguinte, fallando de Villa Secca de Armamar.”


FERREIRA, Pedro Augusto, Abade de Miragaya, aposentado, TENTATIVA ETYMOLOGICO-TOPONYMICA, 1915, 2º Volume, pág. 217, 218, 219

[https://ia800202.us.archive.org/4/items/tentativaetymolo02ferr/tentativaetymolo02ferr.pdf], [r.2025.01.19 - #porMdQ]